Hamabronks

Tarde

(ou quando as pessoas ficaram em casa)

Ele sai do elevador, anda até o portão e olhe para a direita. “Aperte para abrir”, no seu smartwatch o Mario aponta que são uma e quatorze da tarde, “Só mais uns segundos”. O Mario pula, acerta a caixa acima dele e os minutos passam. Com sua chave, aperta o botão ao lado do portão de ferro que dividia seu condomínio do mundo. Olha para a direita, procurando um carro ou bicicleta que estivesse descendo — Idiota! — É claro que não havia nada descendo ali. Mas é um costume bobo que foi herdado, igual procurar faixa de pedestre para atravessar.

— Eu sempre tentei atravessar na faixa, mesmo que as pessoas me zoassem. Alguns costumes a gente não esquece. Mesmo vazia, eu não ando na rua. Eu já conheço o caminho da calçada, pelo menos as árvores me fazem sombra. O bom de ter conseguido essa cota de horário é que não tem carros. Ano passado foi foda. O horário das seis foi o pior que eu já peguei. Eu gosto desse silêncio e poder respirar sem poluição.

O relógio marca uma e quinze. Subindo a passos largos, com os olhos fixos na escadaria, vai de dois em dois degraus, mas já chega sem fôlego lá me cima. Quando ainda podia sair, nunca gostou de academia. Dizia que era “coisa chata” e que “se sentia um hamster correndo”. Hoje talvez tivesse mais pulmão para essas corridas.

— Como odeio essa subida. Quando comprei esse apartamento me preocupei só com enchentes, morar em cima do morro é bom pra isso. Aprendi essas coisa em “esse-pê”, mas ter uma segunda subida no final dessa, é sacanagem.

Respira mais fundo para pegar embalo e começa a subir aquela rua que parecia uma parede. As pernas já parecem menores do que são. — Treze e dezessete já, preciso fazer mais exercícios — Parado no meio do caminho, olha para cima — Faltam só mais duas casas para chegar ao mercado. — Com as mãos no joelho, uma gota de suor pinga na calçada. Ele ri. Seca a testa com a própria camisa, respira fundo… mas cai no riso de novo. Um riso apertado, que faz pingar mais uma gota na calçada. E sua testa nem estava mais suada.

— Presunto, queijo, ovo, pão, macarrão, tomate… droga. Já acabaram com a batata. Vou improvisar. Da última vez a lentilha valeu mais a pena que aquele feijão velho. Papel higiênico modelo “lixa para ralar cu”, desinfetante, sabão em pó, amaciante… Sério? Amaciantes mano? Qual foi a última vez que você viu alguém? Que você abraçou alguém? Tu precisa mesmo disso? Pelo preço do amaciante tu compra uma cerveja.

No caixa, olha para a tela e repara naquela mulher branca, cabelos pretos até os ombros e aquela cada de 3D mal renderizado. Pesa os produtos que comprou, coloca na sua ecobag e agradece o avatar na tela, “Merda, ela não é real mano. Para com essa nóia”.

Na volta dobrando novamente a esquina, na altura dos seus olhos está ela. Seu ex-grande-amor. Segunda janela, quarto andar. O coração dispara, o rosto fica soa frio e as pernas começam a tremer. Com os passos curtos, mas apressados, desce olhando para o chão. Queria ter podido dar para ela sua cota no horário. Mas já havia se passado dois anos desde que ele ganhou sua cota de horário na parte da tarde. Antes só tinha ganhado a cota do final da tarde ou à noite. Tudo bem que nesses horários tinha a oportunidade de ficar vinte e cinco minutos fora. Durante a tarde era somente quinze. Mas ela nunca o perdoou por isso. Ela pediu tanto, dizia que queria poder sair e sentir o sol batendo em todo seu corpo ao mesmo tempo. Mas era ela ou ficar mais alguns meses na escuridão e quem sabe no próximo sorteio, ter a sorte de poder sair de tarde.

Perdido nos seus pensamentos, tropeçou no seu próprio chinelo e perdeu o equilíbrio. Caindo de joelhos na frente do portão do seu condomínio. O vizinho que espera impaciente para sair, sorri com desdém olhando por entre as grades daquele portão. Ele se levanta rapidamente, abre o portão e tromba com os ombros e seu vizinho — Como eu odeio esse cara — Dentro do elevador, aperta o botão para subir, novamente usando sua chave. Encosta na parede metálica e fria, abaixa a cabeça e vai escorregando, as sacolas tocam o chão, suas pernas dobram e ele se senta. Solta as sacolas, coloca as mãos no rosto como se fosse uma criança chorando por fazer xixi na calça durante a aula.

“Atenção! Coçar o nariz, olhos ou boca sem mãos higienizadas podem causar infecção. Você receberá um teste na sua casa amanhã.”

— Vai se foder, máquina filha da puta — Enxuga suas lágrimas na camisa, pega as sacolas e passa pelas portas de ferro do elevador — Já tô de saco cheio dessas gripe…