Aquele dia de pastel
(ou a mulher que sabia demais)
Naquele domingo acordei cedo, lavei o rosto e antes mesmo de escovar os dentes já sentia que precisava de um café da manhã. Mas nada saudável, sim aquele pastel engordurado frito em óleo velho. Coloquei o chinelo e desci a rua.
— Ô tia, me vê um pastel de carne seca com queijo. — Pastel de carne com! — gritou ela se virando pra atender outro cliente.
Sempre achei engraçado como eles se organizam e sabem quais sabores estão dentro daqueles pasteis idênticos. Olhei pro lado e vi que a pimenta estava do outro lado da barraca, fui pra lá e fiquei olhando a mulher, afinal ela ia me procurar e não ia me encontrar.
— Vai comer agora? — Sim!
Ela lembrou de mim e do meu pedido. Me viu do outro lado da barraca e acertou o pastel. Adoro carne seca com queijo, com pimenta então… Uma delícia! Ela é bem observadora, hein? Será anos de prática?
"Nossa, você tá grávida filha?" pergunta a tia para uma menina que chegou na barraca.
Gelei por um momento, o tempo desacelerou e eu imaginei uma catástrofe. E se a menina não estivesse grávida e apenas exagerado um pouco na comida nos últimos meses? E essa intimidade? Será que a moça da barraca conhece ela?
— Sim, estou de 4 meses. — Ufa! essa foi por pouco. — E o pai? Vai assumir? — Apesar da pergunta abusiva, ela tem um jeito tão dócil que não ofende. — Não, ele fugiu.
A garota sai levando alguns pasteis e a tia do pastel comenta: tadinha, lembro dela vindo pra cá comprar pastel com a mãe, e agora ta grávida. E eu me pergunto: como ela tinha certeza que a menina estava grávida? Talvez seja coisa de mulher.
— Tia, me vê um pastel de franco com catupiry? — Pastel de frango!
Essa mulher tem boa memória e é bem observadora. Deve ser muito tempo de trabalho nisso. Ou será que ela faz isso com alguma intenção? Hm, não… Por que ela faria isso? Ela é só a atentende da barraca, a não ser que ela fosse uma agente secreta com treinamento. Mas o que ela faria aqui nesse bairro tão pacato e cheio de idosos?
— Oi, queria pedir uns pastéis: dois de carne, dois de frango com catupiry e um de calabresa. — Dois carne, dois frango e um calabresa! Faz tempo que você não vem aqui, hein? Tava de férias? — Não, tava trabalhando em dias diferentes. — Ah é? Você trabalha na barraca daquela senhora morena, né?
"Senhora morena", poupe-me. Isso descreve metade da feira.
— Isso mesmo. Nas últimas semanas eu fiquei de folga domingo, tava só dia de semana. — Ela jogou verde e deu certo, deve ser só simpatia. — Ah, que bom ter uma folga né? Toma aqui os seus pastéis. E manda lembranças pra dona Cristina. — Obrigada, mando sim!
Ela sabia mesmo o nome da senhora. Começo a imaginar que ela seja uma agente secreta. Talvez tenha algum ex-tenente nazista na região, foragido e cheio de arrependimentos da segunda guerra. O que não é de se espantar, afinal só tem idosos aqui no bairro.
— Tia, cobra pra mim? — Carne seca com e frango, né? 9 reais. — Aqui, pode ficar com troco. — Obrigada, volte sempre. Mande lembranças pra namorada. — Mando sim.
Eu nunca vim com minha namorada nesse barraca. Ela deve ser uma agente secreta mesmo. Talvez uma espiã da MI5. Percebi que ela pronuncia o "a" de maneira peculiar. Aquele pastel de carne seca com queijo tava super bom. Acho que vou voltar aqui semana que vem.