Hamabronks

A caminho de Tsuruga

(ou 'O Tarado de Fukui')

Pra quem não sabe, meu nome é Dobrado (sim, nesse caso ele é mais meu nome que meu nome). Fui para o Japão com 8 anos e morei até 23. E é de lá que eu trago todas essas histórias.

A Viagem

Era verão, Agosto de 2005, poucos dias antes do Golden Week. Eu e o Marcelo almoçávamos em uma Steakhouse no centro de Hamamatsu quando descobrimos um mapa ferroviário no jogo americano do restaurante.

Caminho entre Hamamatsu e TsurugaCaminho entre Hamamatsu e Tsuruga

"Olha! Da pra ir até Tsuruga de trem". Tsuruga, na província de Fukui, é uma das praias mais bonitas que tive a chance de ir. Naquela época apenas alguns amigos haviam ido com a família acampar, como não tínhamos carro nunca imaginamos ir sozinhos.

Dias depois já estávamos indo pra lá.

Que praia?

Pegamos o trem de manhã, eu, Marcelo e Abelino. A viagem era tranquila, 270km, alguma baldeações e muitas horas de viagem. Chegamos em Shiga, já no final da tarde e pegamos um pequeno trem local (que as vezes as luzes falhavam) até Tsuruga, chegando lá em torno das 21 horas.

Saindo da estação, não sabíamos para onde ir. Perguntamos pra onde ficava a praia e duas pessoas responderam "Qual das praias?". O Marcelo, que era nosso amigo hiperativo disse que sabia o caminho e que dava pra ir andando. O que claro, era mentira, ele só não queria esperar até amanhecer. Saímos andando em direção do que ele dizia ser a praia. Mas por muita insistência minha, paramos em uma loja de conveniência para procurar no mapa.

No Japão, lojas de conveniência tem muitos livros, revistas e jornais. E também é muito comum a galera ir, ler e ir embora. A ideia é: se você ler dentro da loja, você não precisa pagar. Tem um código nisso tipo “clube da luta”, mas de revistas.

Mas olhar o mapa não ajudou muito. Nós nem sabíamos o nome da praia que queríamos ir e existiam dezenas de praias na região. Saímos da loja e minutos de caminhada depois, o Marcelo percebeu que havia esquecido o celular na loja de conveniência.

As japonesas de carro

Eu eo Coronel Sanders, já no clima de praia.Eu eo Coronel Sanders, já no clima de praia.

Reparamos que enquanto andávamos pela cidade a noite, duas japonesas de carro passaram várias vezes por nós. Paramos em um KFC para lanchar e na saída vimos as duas fazendo o pedido também.

Mas depois de andar alguns minutos e vê-las passar de novo, o Marcelo resolveu fazer sinal para elas pararem, e elas pararam. Ele perguntou onde ficava a praia e elas ofereceram carona, explicaram que haviam duas praias, uma era muito longe e não podiam nos levar. Depois de nos deixar na praia, tiraram uma foto com a gente e foram embora.

A praia da cidade. (Resolução 1.3MB. Não reclama. 2005.)A praia da cidade. (Resolução 1.3MB. Não reclama. 2005.)

Quando achamos que tínhamos chegado, percebemos que a praia onde elas nos deixaram não tinha nada a ver com a praia paradisíaca que vimos nas fotos. Como já era quase madrugada, decidimos dormir e amanhã procurar o caminho certo. Logo que o sol nasceu, retornarmos a caminhada ao centro da cidade, pra ver se descobríamos o nome da praia ou um caminho até ela.

Percebemos também que demos várias voltas na cidade (culpa do Marcelo, claro) e o caminho até o centro foi super rápido. E claro, passamos na loja de conveniência e recuperamos o celular perdido. Coisas de Japão.

O Tarado

Já na estação da cidade, perguntamos sobre a praia pra um senhor e ele disse que não sabia de que praia estávamos falando, mas a mais bonita de todas era Mihama e havia um ônibus que iria sair as 9 horas da estação. Como era quase 7, tomamos um café e fomos até o ponto esperar o ônibus.

Nessa hora chegou um rapaz japonês, com mochila nas costas vestido igual o protagonista do filme "Densha Otoko". Eles nos deu bom dia e começou a puxar assunto. Eu e o Abelino que estávamos cansados e de mal humor, nem demos bola. Mas o Marcelo, que tinha um espírito aventureiro e era simpático com desconhecidos começou a conversar. Depois de alguns minutos de conversa vi ele o Marcelo trocando telefones e logo depois escuto o japonês começar esse diálogo:

— Você já foi no banheiro hoje? — Não… — Sabia que é bom ir no banheiro todo dia? — Sim… — Eu vou lá agora, fazer coco. Quer ir comigo? — Não…

O rapaz se foi e eu e o Abelino caímos na risada. O rapaz havia tentando dar em cima do Marcelo de alguma forma bizarra e falhou miseravelmente. O rapaz foi embora. O ônibus encostou e nós entramos e ficamos sentado perto da porta.

Abelino na frente o Marcelo ao fundoAbelino na frente o Marcelo ao fundo

Minutos depois o rapaz volta e para na porta do ônibus e fala com o Marcelo:

— Fui lá e fiz um coco. — É? Legal pra você. — Seu pinto fica duro? — Cara, tem outras pessoas no ônibus, por que você não fala com elas? — Eu tenho vergonha, prefiro falar com você. — Sabe, eu não sou gay. Eu gosto de mulher. — Eu também. Seu pinto fica duro? — Sério cara, eu não sou gay. — Eu também não. Meu pinto tá duro agora, quer ver?

Nesse exato momento a porta do ônibus se fechou e partiu. Mas logo na segunda quadra o celular do Marcelo toca "Oi, sou eu. Só queria ver se eu tinha pegado o seu número certo. Quando voltar da praia a gente pode sair?". O Marcelo desligou o telefone.

Ao chegar na praia era exatamente o que esperávamos, linda, exuberante, quente, água límpida e areia pesada. Passamos o dia todo no sol. No final do dia, havia algumas dezenas de ligações perdidas no celular do Marcelo. Para o bem de ambos, ele bloqueou o número.

Aquela bermuda azul ali é o MarceloAquela bermuda azul ali é o Marcelo

Dormimos na praia e no outro dia tivemos que voltar, pois fiquei com insolação. E como um amigo nunca abandona o outro, voltamos mesmo querendo ficar mais.

Mais uma foto da praia, em resolução 1.3MB de 2005. Não reclamem.Mais uma foto da praia, em resolução 1.3MB de 2005. Não reclamem.

Claro a história não acabou aqui. Mais ou menos um ano depois encontro o Marcelo no final de semana e ele me conta:

— Cara, lembra do tarado de Fukui? — Sim. — Acredita que ele me ligou de novo? Como eu troquei de celular, perdi o telefone dele. Atendi e ele falou "Marcelo-kun, tudo bem? Sou o fulano, de Tsuruga, lembra de mim?"

Depois desse dia o Marcelo resolveu trocar o número de telefone.

Espero que rapaz tenha encontrado alguém pra fazer coco juntos.